quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Cemitério dos poetas, Eduardo Sá

Ha pessoas que poem palavras nos nossos sentimentos. Parecem-se com os poetas. Mas depois, de surpresa, abandonam os nossos sonhos pe ante pe ou de pantufas. Nao sei... Na verdade, decepcionam-nos (devagarinho) e, quando damos por isso, apagam-se dentro de nos. Deixam de ser preciosas e, por tudo o que valeram, nao podem voltar a ser so (!) nossas amigas. Partem, portanto, para uma terra de ninguem, muito distante do sitio onde vivem os genios da lampada, o Pai Natal, as fadas e os duendes. E por la ficam. Mais ou menos errantes. Imagino esse lugar, onde se acotovelam tantas pessoas que nos disseram tanto, como um Purgatorio, com a particularidade de la nao se ser promovido, com facilidade, ate ao Ceu. E verdade que essas pessoas nao se transformam num inferno dentro de nos, embora, por vezes, surjam, ora como um vulto ora como uma silhueta ou, ate mesmo, como uma estrela cadente que, atravessando o nosso coracao, ja nao provoca um arrepio (muito menos, um calafrio, que sao aqueles sentimentos impetuosos que nos desabotoam a cabeca e nos deixam a arder de paixao e a tremer de medo, ao mesmo tempo). Afinal, nao sao nem amigos nem amores. Transformam-se num museu? Numa arqueologia de todos os amores, por exemplo? as vezes, nem nisso. Infelizmente. Se fosse assim, estaticas ou em pequenos pedacos de historias, empoeirados, seguravam-se no nosso coraçao. O que nao acontece as pessoas que foram perdendo a magia... Este nao sei para onde (eu sei que, dito assim, custa so de pensar) e uma especie de cemiterio de poetas dentro de nos. Um lugar de silencio que convida a espreitar para o que sentimos. Com surpresa e com dor, ao descobrirmos que, ao contrario do que sempre desejamos, ha relacoes — luminosas — que foram morrendo para nos. as vezes, assusta. Afinal, nao e simpatico descobrirmos que mora em nos alguem que, nao sendo o Capitao Gancho, tenha ajudado a morrer (de inanicao, por exemplo) quem trouxe poesia, ou luz, ou um insustentavel rebulico ao que sentimos... as vezes, atormenta. Porque magoa descobrirmos que — mesmo quando nos imaginamos a dar a sala mais espacosa do nosso coracao — tambem nos, dentro de algumas, vivemos sem viver, errantes, nesse nao sei onde de alguem, entre os seus amigos e os seus amores. as vezes ainda, somos tocados pelos galanteios da vida e, levados pelo entusiasmo, imaginamos que, se desejarmos com muita forca, algumas das pessoas que guardamos no nosso cemiterio de poetas ressuscitam e regressam, cheias de luz, para surpresa do Pai Natal ou das fadas (que, sendo magicos, parecem viver num mundo de bolas coloridas de sabao). Eu sei que tambem entre as pessoas ha quem pareca magico mas intocavel. Como eles. Mas nao se esqueca: esse e o cais de embarque que, de surpresa, nos pode levar (sem volta) para o cemiterio dos poetas.

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